Pouco comentado no cenário político capixaba, estamos à beira de uma disputa importante no cenário político da nossa capital, Vitória: de um lado, João Coser, representante da velha esquerda capixaba, do outro, Camila Valadão, da nova esquerda, da UFES e das causas identitárias que geram grande apreço na esquerda como um todo.
O que sairá desse possível embate? Uma coisa é certa! É necessário e fundamental que o público esquerdista conheça o que cada um realmente defende e qual dos dois se aproxima mais das ideias que a esquerda jura combater.
A resposta disso tudo é esperada pelos principais articulistas do campo da esquerda capixaba. Os mais pragmáticos já cravam Coser com medo de uma direita ascendente, e veem nele a condição de salvador, capaz de proteger a esquerda dos radicais que podem afugentar o voto dos que não se preocupam com ideologia. Os mais ideológicos enxergam a Camila como o retorno do projeto da esquerda identitária, sem os vícios das relações com o estamento burocrático burguês.
Dito isso, uma pergunta ainda paira no ar… A esquerda de fato sabe definir seu projeto político sem que a massa de eleitores não ideológicos saiba quais são suas verdadeiras bandeiras? Ao defini-las, é imprescindível serem apresentadas ao grande público e o mesmo tire suas próprias conclusões, certo? É certo que a defesa do casamento homo afetivo, do aborto, dos desencarceramentos em massa e da liberação das drogas deverá estar em evidência para que o afago na militância se dê por concretizado.
Nesse mundo de narrativas de luta pela “democracia”, fica a expectativa: se o PSOL vai se submeter à hegemonia de Lula, tão combatido antes pelos seus históricos, se subordinar às agendas de um PT “cor de rosa” de Coser ou vai resgatar o seu puro-sangue, aguerrido, das causas das minorias.
Vale lembrar que Camila é genuína das causas minoritárias e não faz apenas acenos, sua militância é enorme e a mesma foi dona de mais de 50.000 votos. Isso está na mesa e pode exigir intervenção e negociações nas disputas onde o PSOL necessitará do apoio do PT, como em São Paulo, o que já deixa em alerta um claro risco da hegemonia do PT no estado.
Para ter unidade, Coser deverá ceder à pressão e se entregar a uma postura bem mais à esquerda, defendendo pautas que costumam ser muito caras quando expostas ao grande e respeitável público.
Enfim, Camila lutará com legitimidade por sua candidatura e terá a rara oportunidade de romper a unanimidade do petismo na esquerda do Espírito Santo.
Não deixando de ser provocativo… Será que máscaras irão cair? O que de fato traz volume e força ao debate? A moderação da esquerda ponderada ou a luta por essas agendas de costume criadas por uma militância ativa e com dura rotina de construção diária de teses? Veremos um Coser “sangue no olho” e menos empresarial buscando legitimidade nas bases que agora têm dono (não o PT), ou essa base aguerrida permanecerá inclinada a gritar o nome de Camila?
No segundo turno, veremos essa base unida? Acredito muito que, depois desse debate, não haverá espaço para “aceitar quem só acena” ou quem radicaliza, mas não está no jogo do estamento burocrático. Definitivamente, a esquerda não verá um cenário de conforto moral.
“A liberdade é um sonho que acompanha a história da humanidade. Não se trata de um sonho eterno e que sempre existe, pois a luta pela liberdade só surge quando ela fica ausente. O surgimento da sociedade de classes marca o nascimento da exploração e dominação que enclausuram os seres humanos em suas próprias criações sociais. Os seres humanos criam deuses, mercado, dinheiro, propriedade privada, estado, igrejas, partidos políticos, instituições para suprimir sua própria liberdade. Alguns se sentem à vontade na prisão social instaurada, tal como a classe dominante e suas classes auxiliares. A emergência da sociedade capitalista significa uma nova forma de prisão, escura e asfixiante.”
VIANA, Nildo. Manifesto Autogestionário. 3ª edição, Rio de Janeiro: Rizoma, 2019.
“Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?
Por quanto tempo a tua loucura há de zombar de nós?
A que extremos se há de precipitar a tua desenfreada audácia?”
Cônsul romano Cícero contra o Senador Catilina.