O capacitismo é uma forma de preconceito e discriminação que coloca as pessoas com deficiência em uma posição de inferioridade em relação àquelas sem deficiência. Essa atitude prejudicial se manifesta de diversas maneiras, desde expressões linguísticas pejorativas até a negação de oportunidades e a criação de barreiras que impedem a plena inclusão e participação social das pessoas com deficiência.
Um exemplo que ilustra bem essa problemática é o ocorrido no reality show Big Brother Brasil. Durante a primeira prova do líder, o participante Maycon fez comentários considerados ofensivos sobre o atleta paralímpico Vinícius Rodrigues, referindo-se à sua perna amputada como “cotoco” e “cotinho”. Essas expressões são vistas como pejorativas e capacitistas por muitos, pois reduzem a pessoa com deficiência a apenas sua condição física, ignorando sua humanidade e individualidade.
Infelizmente, esse tipo de situação não é uma exceção, mas sim algo presente no dia a dia de muitas pessoas com deficiência. Embora algumas pessoas possam não se sentir ofendidas por comentários desse tipo, entendendo-os como brincadeiras, outras podem se sentir excluídas e constrangidas. A orientação é sempre perguntar à pessoa com deficiência qual a melhor forma de se referir à sua condição, respeitando sua preferência.
Me lembro que o atleta paralímpico Daniel Dias também se manifestou sobre o episódio, classificando os comentários de Maycon como capacitistas. Dias enfatizou que, se a mesma situação ocorresse com uma pessoa sem deficiência, o participante não se expressaria da mesma maneira. “O que nós queremos é que as pessoas nos olhem e não para nossa deficiência. Antes da deficiência, existe a pessoa”, afirmou o nadador.
Para combater essa realidade, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Ministério da Cidadania desenvolveram miniguias com expressões e atitudes consideradas capacitistas, a fim de conscientizar a população e sugerir que esses termos e comportamentos sejam abolidos do cotidiano.
Uma das práticas apontadas como problemática é a infantilização das pessoas com deficiência. Muitas vezes, pais, cuidadores e outras pessoas acreditam estar sendo gentis ou benevolentes ao adotar uma linguagem condescendente e paternalista, mas, na verdade, estão impedindo a pessoa com deficiência de exercer seu direito à independência e autonomia. É importante entender que deficiência não é sinônimo de doença, e que as pessoas com deficiência não têm necessariamente uma saúde frágil.
Outro ponto destacado é a tendência de exaltar as conquistas das pessoas com deficiência como “milagres” ou “exemplos de superação”. Embora o reconhecimento dos esforços e realizações seja importante, essa abordagem pode reforçar a ideia de que a pessoa com deficiência é “inferior” e que suas conquistas são extraordinárias simplesmente por sua condição. É fundamental compreender que a deficiência é apenas uma das características da pessoa, e que ela é tão capaz quanto qualquer outra.
Além disso, oferecer ajuda sem que tenha sido solicitada também é considerado um comportamento capacitista. Mesmo com a intenção de ser gentil, essa atitude pode transmitir a mensagem de que a pessoa com deficiência é incapaz de se cuidar por si mesma. É importante respeitar a autonomia e a independência da pessoa, oferecendo ajuda apenas quando ela for solicitada.
Outro aspecto relevante é a linguagem utilizada para se referir às pessoas com deficiência. O termo correto é “pessoa com deficiência (PcD)”, evitando expressões como “portador de necessidade especial”, “portador de deficiência” ou “deficiente”. O termo “pessoa com deficiência” foi definido pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito das Pessoas com Deficiência, aprovada em 2006 pela Assembleia Geral da ONU e ratificado pelo Brasil. Essa mudança de terminologia reflete uma visão mais humanizada, que valoriza a pessoa em sua integralidade, e não a reduz à sua condição de deficiência.
Além disso, existem termos e expressões que devem ser completamente abolidos, como “retardado”, “mongol”, “demente” e “imbecil”, por serem extremamente ofensivos e carregados de preconceito. Expressões como “deu mancada”, “não temos braço/perna para isso” e “fingir demência” também são consideradas capacitistas, pois fazem referência negativa à condição física ou mental das pessoas com deficiência.
É importante ressaltar que o capacitismo não se manifesta apenas por meio de palavras, mas também em ações e atitudes. O Ministério da Cidadania lista algumas dicas práticas de bons comportamentos, como não distrair cães-guia, não estacionar em vagas reservadas para pessoas com deficiência e não usar a cadeira de rodas de alguém sem permissão. Além disso, é recomendado que, ao conversar com alguém em uma cadeira de rodas, a pessoa se sente para não precisar ficar olhando para cima por muito tempo.
O capacitismo é um problema social enraizado em nossa cultura, que precisa ser enfrentado de forma urgente e efetiva. Mais do que apenas evitar o uso de termos e expressões ofensivas, é necessária uma transformação profunda na forma como a sociedade percebe e trata as pessoas com deficiência. Precisamos valorizar a diversidade humana, respeitar a autonomia e a dignidade de cada indivíduo, e criar um ambiente verdadeiramente inclusivo, onde as diferenças sejam celebradas e não usadas como justificativa para a exclusão.
Essa mudança de paradigma requer ações em diversos níveis, desde a educação e a conscientização pública até a implementação de políticas públicas eficazes e a promoção da acessibilidade em todos os âmbitos da vida social. Somente assim poderemos construir uma sociedade mais justa, igualitária e inclusiva, onde as pessoas com deficiência possam exercer plenamente seus direitos e participar ativamente da vida em comunidade.