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Política em Foco

Dramaturgia política

Quando a vida reflete o personagem, é porque já não existe mais o sujeito.
Quando a vida reflete o personagem, é porque já não existe mais o sujeito.

Política é uma matéria que mexe com o ego e com as emoções, um jogo de vaidade perigoso e impiedoso.

Nos últimos anos, a política brasileira ganhou novos contornos com a polarização entre esquerda e direita, uma realidade que mexe com muita gente e aguça os sentimentos mais primitivos, como o ódio e falta de percepção dos limites. Nesse jogo de acusação não existe razão, porque os exageros são ambidestros e os extremos transitam livremente com rótulo de valores e princípios, um enganoso pano de fundo político.

É óbvio que a corrupção, a mentira em larga escala e a desigualdade confrontam a honra de quem não suporta o apoteótico desfile da injustiça, mas devemos ter cuidado para não errar a mão, quando o assunto é política, para não corrermos o risco de matar o boi, em vez dos carrapatos, condenar o queijo e não o rato. Em todos os cenários e lados, a política como matéria deve ser preservada e respeitada, jamais empobrecida e reduzida, pois ela continua sendo o principal meio de transformação da sociedade.

Todos esses aspectos lançam a política e seus protagonistas no grande palco da vida, um lugar aberto, sem cortina e tomado pelos fortes holofotes da verdade, um ambiente cercado de olhos e nucas, onde a plateia aguarda ansiosamente o triste espetáculo entre excelência e mediocridade, projeto e pessoa. Aliás, politicamente, nunca existiu essa dicotomia entre o projeto e a pessoa, porque a pessoa sempre foi produto e resultado do projeto e o que passar disso é “pura” encenação do recalque que brilha na face da inveja e do farisaísmo político que muita gente tenta camuflar, seja com a mansa fala ou com a estridente oratória.

Perpassando a nossa breve introdução filosófica, neste ano temos eleições municipais em todo país e novamente assistiremos esse Fla x Flu despolitizado, uma luta de figuras em busca do improdutivo rótulo de “santo” ou “melhor”, um embate ensandecido, fruto da rápida evolução da vulgaridade política, no seu formato mais vago e rasteiro, acompanhado da tática de diminuir o outro para crescer. Aqui é nítido e notório a falta de conteúdo e as raquíticas propostas para quem tanto sofre com a ausência de políticas públicas de qualidade, um abismo que separa os privilegiados da perdida massa, o Brasil real de Machado de Assis. Nesse ringue da loucura, vale tudo, desde jabs odiosos, chutes de destemperos e até socos no estômago de quem tem fome e sede, a grande chaga daqueles que ganham mais do que comem e que sempre comem o pão de alguém.

Destarte, a incriativa dramaturgia política se repetirá no próximo processo eleitoral, uma malhação diária que obedece o redundante capítulo da oquidão, um eco incessante das mesmas vozes, ainda que estejam em lados opostos. Boa parte da população está muito cansada disso tudo e desencantada com a palavra projeto, projeto de quê e pra quê? E a malfadada política de grupo? Ah, essa, então, é a melhor de todas, porque ela escancara que é para um grupo, apenas um grupo. A grande verdade, é que há muito tempo a política brasileira está órfã de líderes capazes de reespiritualizar as massas e falar a consciência nacional. Temos diversos apóstolos dos frissons e múltiplos discípulos da euforia, mas poucos operários da razão, onde causa e consequência andam de mãos dadas, dividindo culpas e assumindo responsabilidades micros e macros, a singularidade da política.

Portanto, esse é o malabarismo que precisamos fazer com as palavras, para não despertar a irascível vingança de quem está sublinhado nesta despretensiosa reflexão, uma sutil anatomia de verbos e adjetivos, sem ofender os ressabiados ditadores do bem e do mal. A política é assim, um alerta constante da inclemência que laça, abraça e entrelaça os desavisados neófitos e os presunçosos mais românticos.

2024 tem eleições, tem direita, esquerda, centro e também o egoísta lado de dentro, aquele que costuma engolir tudo e todos.

É a dramaturgia política e seus variados atores que montam e remontam a história do Brasil e dos brasileiros, um enredo dramático e com final não tão feliz!

É natural de Vila Velha – ES, cidade onde reside. Graduado em Teologia e Ciências Políticas, com especialização em pesquisa, comunicação e estratégia política. Já atuou como secretário municipal de Gestão e Planejamento e como coordenador de comunicação parlamentar. Há quase duas décadas estuda e participa dos movimentos políticos do cenário nacional e do Estado do Espírito Santo, com análises e projeções.
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